Há uns tempos atrás, uma querida amiga, estudante de Psicologia convidou-me para fazer de entrevistado num trabalho que tinha de apresentar para uma cadeira. Ela tinha alguma dificuldade de compreender a relação entre o lado racional e emocional na minha paixão pelo glorioso, ainda para mais também ela sofrendo pelo mesmo clube. Com pequenas alterações aqui fica o relatado. De certeza que ficou a compreender o mesmo, mas o Águia do Mundo desabafou... O título dado foi Paixão Clubística VS Amor ao Benfica. Tenham lá paciência comigo, a minha amiga bem a merece…
Como te vou chamar?
Afonsus, é assim que me identifico no universo dos blogs.
És rapaz para que idade?
Tenho 33 anos, a idade de Jesus…
O que fazes profissionalmente?
Sou administrativo numa empresa com actividade comercial e um dos responsáveis pela sua revista.
Qual é a tua formação?
Estranhamente, porque pouco tem a ver com o que faço, sou licenciado no Curso de Comunicação Social, pela Escola Superior de Educação de Coimbra, onde terminei, salvo erro, em 2004.
Para além do trabalho e do desporto que interesses tens e quais as tuas paixões?
Não vou muito ao cinema mas adoro ver filmes, séries e documentários. Gostava de ser um leitor compulsivo mas tenho fases em que não consigo ler e existem momentos em que posso começar dois ou três livros ao mesmo tempo. Mas tenho os meus ídolos, no cinema, destaco o Anthony Hopkins e o Morgan Freeman como actores, estão para lá do genial. Na escrita penso que a obra está acima do autor, como tal e do que li, destaco o Ultimo Voo do Flamingo, do Mia Couto, o Jaime Bunda, do Pepetela, o Bosque dos Pigmeus, da Isabel Allende, Veronika Decide Morrer, do Paulo Coelho, a Crónica dos Bons Malandros, do Mário Zambujal, o Código Da Vinci, do Dan Brown, Timbuktu, do Paul Auster. As crónicas do Antonio Lobo Antunes e do Ricardo Araujo Pereira são divinais e não diso isto por serem dois grandes benfiquistas...Depois gosto de ler algumas coisas espirituais que me façam sair deste mundo tão terreno e tão lógico e que me desenvolvam a criatividade, a imaginação e o sonho. Mas há sempre um mundo a descobrir pela mão de grandes poetas e escritores, por exemplo, tenho vergonha em confessar que ainda não li Cem anos de Solidão, do Gabriel Garcia Marquez e a Insustentável Leveza do Ser, do Milan Kundera. Claro que a Música é obrigatória e confesso que tenho feito um esforço por tentar descobrir a música clássica, gosto de bandas sonoras. As minhas preferências são muito diversificadas, vão para o Rui Veloso, Jorge Palma e Xutos & Pontapés, Caetano Veloso, Maria Bethania, Djavan, Vinicius de Moraes, Martinho da Vila, Creed, U2, Queen, Leonard Cohen, entre tantos outros artistas e estilos. Gosto de todas as formas de arte, mas no que respeita à pintura e às artes plásticas passam-me um pouco ao lado, quase de certeza porque não tive a formação para as apreciar porque os gostos também se educam.
Paixão clubística ou Amor ao Futebol?
O Benfica para mim é uma mulher, é pura e simplesmente uma paixão platónica e ao mesmo tempo física. Os benfiquistas como eu amam os pormenores do clube, é uma personalidade que diz maravilhas do clube e nos envaidece, é uma marca que cresce mesmo sem ganhar e ficamos com um brilho nos olhos, é um turbilhão de emoções em tavernas, cafés, restaurantes, centros comerciais, sei lá o que mais... O Benfica é um excelente desbloqueador de conversas, em vez de dizermos “e então, está de chuva?!” podemos afirmar “então, e o nosso Benfica!?” Como disse, é uma mulher porque estou apaixonado intensamente por ele, não lhe vejo defeitos, necessito diariamente de fazer parte do clube, ou lendo jornais, participando em blogs ou em pequenas conversas entre benfiquistas. Dizem os entendidos que entre Paixão e Amor existe uma diferença, a do tempo. A Paixão vem de uma forma avassaladora e descontrolada e o Amor vai-se construindo degrau a degrau, a Paixão tem uma intensidade única durante um curto espaço de tempo e o Amor vai caminhando e conquistando esse tempo, tornando-se maior. Sinto a Paixão pelo Benfica mas é uma coisa intemporal, já era benfiquista antes de nascer e continuarei a ser depois de morrer. O Benfica para mim não é só futebol mas a sua essência e mística foi construída pelo futebol. Ver um jogo do Benfica, no futebol ou em qualquer modalidade, não tem comparação, a emoção e o estado nervoso são totalmente diferentes e até estou desconfiado que os nossos adversários também pensam da mesma forma, não perdem pitada…
Paixão Clubística é igual a Amor ao Benfica?
Se o Amor ao Benfica for a tal Paixão ilimitada que falei, então é igual. Não é normal, em qualquer parte do mundo, existir um clube que em trinta anos ganhou quatro ou cinco campeonatos e, mesmo assim, manter a pujança e a universalidade deste clube. Qualquer outro dos nossos adversários, a ganhar tão pouco, hipotecaria o seu futuro, não tenho dúvidas disso. A palavra forte no Benfica é Conquista. Nós conquistámos campeonatos, conquistámos um lugar, conquistámos um espírito, construímos uma mística. Não sei se haverá algum clube no mundo que tenha mais adeptos fora do país do que dentro?... O Benfica construiu um amor apaixonado, conquistou vitórias para um país que se sentia derrotado, politica, económica e socialmente. O Benfica foi a alma de um povo inteiro, eram as bandeiras do Benfica que estavam nas varandas da Revolução de 1974, era com os relatos do Benfica que a guerra parava nas antigas colónias, como já o afirmou o António Lobo Antunes. Ter essa consciência é estar profundamente apaixonado e grato a este clube, amando-o incondicionalmente, nas derrotas, nas vitórias ou quando não joga, sempre com o espírito de que o futuro de grandes glorias também vai ser conquistado.
E a selecção nacional?
É o clube do meu país, embora os valores patrióticos estejam cada vez mais afastados. Mas depois há o outro lado, vi num seleccionador brasileiro um grupo muito mais unido e coeso, até patriota, do que no actual, que até é português. Amo a selecção nacional, mas consigo sofrer bem menos do que no caso do Benfica.
Como nasce a Paixão pelo Benfica?
É difícil responder a isso, pode ser o resultado de uma situação genética mas também não tenho muita certeza. Os meus pais são benfiquistas, lembro-me da minha mãe sofrer às escondidas nos jogos do glorioso, mas sinto que o meu benfiquismo é uma coisa espiritual. Crentes ou não, todos temos esse lado e algo me diz que o meu benfiquismo foi-me marcado antes da nascença, enfim, é um sentimento nada racional e pode até ter uma certa dose de loucura.
Sei que tens um Blog e também uma paixão pela escrita. Pode ser um pontapé de saída para alguma delas?
Pois, sou mesmo um homem dado às letras e palavras. Confesso que sou preguiçoso a escrever mas, ainda assim, quando começo é difícil saber parar. Se eu conseguisse aliar a inspiração à transpiração então poderia escrever umas coisas. A nível profissional colaboro e sou um dos responsáveis por uma revista onde fazemos várias entrevistas e temos um papel mais comercial, o que dá para ir matando o bichinho… Apesar de ser formado em comunicação cocial imagino-me mais a ser escritor do que jornalista, embora vivamos numa época em que ambos se confundem, o que, a meu ver, não é benéfico para o universo do jornalismo e da comunicação social. Bill Shankly, treinador lendário do Liverpool, disse uma vez que o futebol não é uma questão de vida ou morte, é muito mais do que isso, tal como está escrito no excelente blog benfiquista “Vedeta da Bola” e, num universo com esta dimensão e facciosismo, é relativamente fácil escrever, ainda para mais sobre o Benfica onde as emoções ambíguas prevalecem, ou se gosta ou se odeia, não passamos indiferentes a ninguém e isso torna-nos numa marca incomparável. Não há dois benfiquistas que pensem da mesma forma sobre um mesmo episódio. No Águia do Mundo eu tento fazer um pouco de escritor, de poeta, de humorista, de adepto, de apenas um benfiquista anónimo como são a maioria dos benfiquistas. O blog é somente o desabafo de uma alma benfiquista. É impressionante o universo de blogs que existem sobre o Benfica, o meu é mais um, que pode ser diferente porque não relata factos mas reinventa estórias de uma forma muito encarnada. Alguém muito sábio disse que quando crescer quero ser criança, é um pouco assim que me sinto a escrever no blog.
Claque organizada, sim ou não?
O problema é que existem claques organizadas ilegais e sem quaisquer controlos por parte dos clubes e das autoridades. Desde que cumpram a legislação e que os elementos da claque tenham a “folha limpa” não tenho duvidas que contribuem para um espectáculo mais belo e apaixonante. As claques deveriam até garantir uma maior segurança e conforto às pessoas que estão no estádio e não o contrário. Sim às claques organizadas, legalizadas e identificadas com um espírito mais desportista do que clubista.
Que paixão é esta que move massas? Todos os grupos sociais, todas as classes económicas...
O futebol não é só um escape para as vidas monótonas e enfadonhas que, cada vez mais, proliferam. É muito mais do que isso, porque naquele rectângulo de jogo constrói-se uma história, uma lenda onde nos sentimos importantes, não são só onze jogadores que jogam, são onze jogadores vestidos da nossa pele, cor duma paixão em comum, o nosso clube. É um sonho tornado realidade onde a adrenalina sobe à altura de uma alma nua e pura, para o bem e para o mal. Infelizmente o futebol é cada vez menos um jogo e vai a passos largos para o lugar dos interesses dos negócios, onde se compram campeonatos e onde as conquistas são fruto do passado. Não é por o meu clube andar numa fase menos boa nos últimos anos que digo isto, é uma constatação que, em Portugal, os campeões são sempre os mais beneficiados, dá impressão que está tudo decidido antes dos campeonatos. Depois vemos estádios vazios e cada vez mais pessoas a optarem por ir ao cinema ou ao centro comercial. O futebol é um jogo e qualquer factor que possa ferir a imprevisibilidade de um resultado é um mau contributo para o futebol. Quanto mais espontâneo, subjectivo, imprevisível for um jogo de futebol maior será o sucesso do jogo em termos económicos e sociais, mais pessoas comprarão bilhetes e mais jornais serão vendidos. Subjugar o futebol ao controlo económico é aniquilá-lo e, sinceramente, é o que vejo actualmente.
E enquanto director desportivo especialmente dedicado às classes jovens, quais são os teus objectivos?
Bem, isso de director desportivo não é para clubes amadores... Eu sou director de uma colectividade que também é um clube de futsal, para além de outras modalidades. Temos crianças de todos os escalões e isso dá-nos uma noção do que representa o desporto em qualquer idade. E representa muito no desenvolvimento da criança no contacto com os outros e na sua atitude perante as dificuldades. Há sempre um lado de melhor amigo que os nossos treinadores têm e que possibilita que eles percebam que primeiro são crianças e só depois atletas. Os nossos objectivos, enquanto clube formador, são mesmo o de criar um espírito familiar e de contribuirmos para um crescimento saudável e equilibrado. Essas serão as nossas grandes vitórias, embora todos gostem de ganhar os jogos, às vezes até de mais, incluindo eu. Já tive a experiência de treinar os pré-escolas, com idades entre os 6 e os 8 anos, e é impressionante a vontade que já apresentam para ganhar e qualquer formador tem a responsabilidade de relativizar essa componente.
Que tal escrever um livro sobre estes temas ou gostarias de abordar outras temáticas?
Eu quase sempre escrevo do nada e vou construindo histórias mediante muito pouco e dou comigo a inventar personagens e aventuras nunca antes pensadas, talvez até estejam lá naquela parte do cérebro que nós não usamos. Confesso que gostaria de ser um escritor e até de viver da escrita, e para isso não iria certamente escrever só sobre futebol ou o Benfica, mas como o Benfica está muito para além do futebol iria ter sempre umas linhas e páginas obrigatórias num livro guardadas para ele. Tal como nas experiências passadas com as idades de formação e que nos ensinam a preencher as paginas das nossas vidas, assim as saibamos ler.
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