29 abril, 2009

Como se fossem muito... Daaa!!!



Entre a vontade de vencer e a exigência de ser o melhor encontramos uma excepção: o Benfica. O Benfica há muito que compreendeu a viciação da liga, em Portugal, muito antes daqueles que perceberam que ganham muito para além do rectângulo de jogo. O Benfica inventou novos campeonatos, novos jogos, novas vitórias que reinventam e asseguram a santidade de uma instituição muito para além de um clube: o ecletismo, o jornal, a revista, a televisão, a fundação, o populismo sem limites, que os nossos adversários fazem o favor de fazer crescer, ainda que inconscientemente. Gostaria de ver os nossos adversários ganharem tão-pouco como tem acontecido no nosso glorioso nos últimos 25 anos e saber se, mesmo assim, manteriam o estatuto de grandes. Colosso é aquele que continua grande nos maus momentos, nos desaires e nas derrotas, é assim com as pessoas e é assim com os clubes, grandes são aqueles que precisam de vitórias para crescer. Ter consciência desta verdade é descobrir a razão porque os nossos adversários nos odeiam. Como se descobrissem, e há tanto tempo que nós o sabemos, que as nossas vitórias vão muito para além de um conjunto de jogos viciados. Depois aparecem uns novos sapientes tentando envergonhar-nos, dizendo-nos ao que chegou a falta de exigência do Benfica. Aqui vai a resposta, ser exigente numa realidade como a do futebol português tem muito mais de ignorância do que de capacidade e competência. Ganham aqueles que festejam o 25 de Abril, aquela data que lhes permite utilizar os seus poderes podres e de passar por cima de quem é comprado por dinheiros e favores, e por não escutarem o que as escutas querem dizer. O que a justiça dos homens faz que não vê, a justiça divina penaliza em dobro, cá fico a aguardar. A verdade inconveniente do futebol é a de que, realmente, existem mais portistas actualmente do que há 20 anos, miúdos que nascem e que vão na senda das vitórias, porque as crianças não têm a maldade para perceber de como se construíram essas vitorias. Uma coisa também é verdade, apesar das muitas vitórias desta suposta hegemonia de um clube grande, o Benfica continua a crescer, em estruturas, em paixão, em adeptos, em sócios, vá-se lá saber porquê. O Benfica é um sítio onde eles querem chegar com as vitórias manchadas de crimes, mas perceberam que o Benfica atingiu um altar, não pelas vitórias mas pela valentia de como as conseguiu. O Benfica é a alma do povo português, o Estádio da Luz é o coração do país, a Águia do Mundo é o espírito lusitano em movimento, que é o mesmo do que a Alma que ferve dentro das panelas de pressão dos que tanto nos querem ignorar, que passam a maior parte do seu tempo a escrever, falar, relatar, opinar sobre a vida do glorioso, bem ou mal não interessa, o que interessa é que continuem a fazer-nos maiores do que as suas tristes vidas. Obrigado, sem vós não seríamos tão colossais. E no dia em que neste campeonato partirem todos da mesma meta verão que o país ficará menos em crise, mais encarnado de esperança. Enquanto isso, vamo-nos entretendo com Rui Moreira, Miguel Guedes, Miguel Sousa Tavares e outros coitados, impondo um clube que não se consegue expor e afirmar aos olhos do adepto isento. Cá estaremos quando o vosso teatro terminar, cá vos aguardamos para vos responder com a ignorância que merecem, e com a pequenez de espírito que têm defendido um clube gerido por gente mal formada. A cidade do Porto não tem culpa, o clube não pode ser confundido com gente desta, mas o Benfica lutará pelas vitórias de todos terem as mesmas armas e não por um campeonato de armas desiguais, com pronúncia do norte em que os restos fazem as delícias dos que se sentem vitoriosos por serem o primeiro dos últimos. E do colosso se fará a história gloriosa. Daqui a muitos anos hei-de ler escrito algures, assim Deus o permita, aquelas três décadas do futebol português foram marcadas por uma aniquilação ao Benfica, vinda do norte, encabeçada por PC, mas o clube conseguiu sempre responder com elevação e astucia, com isso, vieram de novo as vitorias que fazem a inevitabilidade de um clube que provou que pouco precisa delas para ser colosso. E ao ler vamos olhar para traz e responder com a nova ironia do sul, à gargalhada carago!...

27 abril, 2009

O Som da Censura














Já ouviste o eco do apito
Explodir na tua cabeça
E ditar aquela sentença?

Diz-me lá, ouviste?
Como que a presença
De tamanha frequência
Fosse a que persiste

E dói, não dói?

Na dor do vazio
Numa doença sem nome
Nos sintomas de um vício
Na certeza de uma fome

Foi, não foi?

O som do zumbido
Como um grilo escondido
Nas entrelinhas da mente
E como se sente?!

Puta que pariu!

Quem nunca sentiu
Esta dor tão presente
E que jamais fez frente
A esse vazio...

É fruto dum espírito revoltado
E de sede da justiça
Este estado de nós
Mas tolerância não é preguiça
E quanto mais ignorância
Menos nos sentimos sós

23 abril, 2009

Reflexão do dia...


Um clube é grande porque ganha muitas vezes. Mas que dimensão tem um clube que ganha muito pouco e, mesmo assim, continua a ter mais adeptos, mais sócios, mais páginas de jornais, mais notícias de rádios, mais reportagens de tvs, mais conversas de cafés, mais sms e chamadas de telemóveis, mais piadas virtuais, muito mais gente nas bancadas?... Das duas uma, ou este clube atingiu tal magnitude que é impossível ser maior e então mantém-se, porque não consegue ficar mais pequeno, ou o clube que ganha muitas vezes, não ganha assim tantas vezes como nos querem fazer crer, mas tão poucas vezes como as devia ter ganho, efectivamente, mantendo-se apenas grande e não tão grande como a imagem que quer vender. Ou então é tudo uma mistura, de uma ementa guardada a sete chaves pelos altos meandros do futebol português, que os deve haver, cozinheiros ou não. A ementa é servida com sabores a fruta e gosto de cafés com natas, geralmente por meninas bem parecidas acompanhadas por varões de tecto, ou então com homens de apitos, homens viajados, que trabalham para quem lhes paga, ora pois... O certo é que fica aqui a relexão, porque os ingredientes são tantos que não dá para mais, e até porque eu já tinha fechado o envelope...

21 abril, 2009

Mais um Delírio...







Há um filme extraordinário, realizado e interpretado por Mel Gibson, que, não sei porquê, quando o revejo encontro tantas semelhanças com o nosso pobre futebol. Em Braveheart, assistimos ao episódio das mais cruéis atrocidades humanas praticadas a um povo e à tentativa de independência da Escócia, por William Wallace, representante do Povo Escocês. Estão lá os Ingleses, que invadem os territórios e os querem conquistar, através do medo, crimes, violência, seja lá o que for. Existem os Nobres, aqueles que fazem alianças com ingleses ou com os escoceses, consoante os seus interesses e a sua falta de escrúpulos, o que os Nobres querem é não se assumir, ou seja, nem são escoceses, nem tão pouco ingleses. Nesta dura batalha pela independência fizeram um acordo com os Escoceses que, obviamente, não cumpriram em benefício próprio. Os Escoceses, o povo oprimido e corajoso, com um olhar que brilha na lâmina da espada, que luta pela independência, que persegue a liberdade, que não reconhece o poder dos Ingleses nem o branqueamento dos Nobres. O Povo Escocês, o que sabe que as regras não têm nada a ver com a verdade e com a justiça, consegue a paz, devido ao heroísmo e à bravura dos seus Homens, que não dão por vencido um território que é o seu. Escócia é hoje um país livre e de grandes homens, trabalhadores, alegres e orgulhosos de um país que construíram com as suas forças. Não sei porquê mas encontro sempre um paralelismo quando revejo este filme. E não sei porquê, com as devidas diferenças óbvias, comparo sempre os Ingleses a um certo clube, os Nobres a um clube incerto e o Povo Escocês ao Clube mais do que certo. Não sei porquê, coisas que me ocorrem...

14 abril, 2009

Delírio Canino

Sentado no jardim, fingindo que a relva não é verde, que o céu não é azul e que o mundo é perfeito, observava um cão rafeiro jogando às escondidas com um tronco de uma árvore. De perna alçada, focinho descaído e lombo ligeiramente inclinado, o bicho insistia em imitar o raio do repuxo estacionado dentro da fonte dos amores. Quanto mais ouvia o barulho da água caindo sobre a pedra dura mais abria a torneira fisiológica e se deliciava, era de mijar a rir... Uma coisa é certa, algo o fez parar num instante, quatro patas no solo, corpo deambulante, de um lado para o outro, parecia possuído por um espírito irlandês, tipo Parkinson, orelhas erectas sem viagra, focinho húmido que nem tarte de maçã, rabo a abanar em traços de batuta de maestro. Mas que raio deu ao animal? Logo o acaso me respondeu, uma cadela ao longe, passeando a sua dona sem idade, colete vermelho, pêlo aparado, coleira de prata, pestanas aperaltadas. O episódio fez-me lembrar a cena do filme em que sharon stone cruza as pernas perante um michael douglas apardalado, coitado do pobre do animal que, agora, com as suas cinco patas, se imaginou um detective, tentando descobrir forças que o fizessem armar-se em herói, podia ser o dartagnan, e com a sua bravura, morder na dona e soltar a sua apaixonada das amarras da coleira, e espetar a sua espada, ou seria o picador de gelo?... O cão virara lobo, uivava que nem um desalmado, era como se o suplicio lhe masturbasse a impossibilidade de ser dono da sua cadela.
Nesta meditação canina surgiu-me a imagem do estádio da luz, daqueles onze dartagnans vestidos de encarnado a entrar na relva lutando contra as batalhas do mal para alcançar a inevitabilidade de ser o maior clube do mundo. Olhei mais uma vez o cão, orelhas empinadas, focinho no ar, rabo a abanar e logo percebi porque é que o Benfica é uma paixão. O Benfica é uma mulher, uma deusa que nos leva ao clímax, por vezes ao desespero, tal a vontade que temos de fazer parte dela. Somos rafeiros da nossa dona, da nossa alma gloriosa, como se a quiséssemos possuir.
A fonte continuava a cuspir água vinda do repuxo e o rafeiro já mais calmo, mas ainda em transe, ansiava a próxima visita da cadela ao jardim. Lá estará, junto à árvore, a aguardar a inevitabilidade da conquista porque AGUIA dura em pedra mole tanto bate até que fura. Com espada, picador de gelo ou com uma perna a mais… Afonsus, CD

13 abril, 2009

O Peso das Camisolas

Meus caros, bom dia!
Estão a ver o jogo Benfica-Académica, de Sábado? Muito bem, o exercício é simples e não leva a grandes esforços, também vou tentar ser breve e o menos literário possível, assim tipo jornalista isento que só relata factos, dos que abonam cá na praça. Continuando, nessa partida vamos trocar as camisolas dos jogadores gloriosos por umas camisolas azuis e brancas. Ora, vamos então, ao comentário final do tal jornalista isento, no final da partida:
“Jogo sem história em que o fcp tornou fácil a partida com um adversário que veio às antas para não perder. O primeiro golo é um hino ao futebol, fruto de uma excelente abertura para Aimar, em que o Argentino fica isolado e, perante o guarda-redes, escolhe o momento certo para abrir o marcador. Empate da Académica na marcação de um pontapé de canto, no qual Miguel Vitor não sai isento de culpas. Logo depois, um momento importante em que o arbitro não viu uma clara mão de Luiz Nunes dentro da área da AAC, na qual deveria ter resultado uma grande penalidade. O segundo golo já se adivinhava e resulta de uma jogada de grande qualidade colectiva, mais uma vez, Aimar (que grande jogo!) aproveita um excelente cruzamento, no qual Nuno Gomes é empurrado, e com um excelente golpe de cabeça marca ao segundo poste. A falta sobre David Luiz dentro da área, aos 82’, que resulta no terceiro golo, é tão evidente que não merece discussão e, mais uma vez, Cardozo, não perdoou sobre a marca da grande penalidade. Ainda assim, uma derrota de 1-3 que beneficia os estudantes, dada a fraca exibição e a diferença de valores para o fcp. Arbitragem aceitável que não tem quaisquer influências no vencedor da partida. No entanto, a mão de Luiz Nunes dentro da área e a falta sobre Nuno Gomes no segundo golo do porto, são lances claros para castigo máximo.”

04 abril, 2009

O menino vestido de pantera


Muito mais do que um craque, pele cor de pantera, estilo de quem joga à bola a lembrar performance de kizomba numa quadra de jogo. Dançava com a redondinha como quem agarra o seu par e o protege, indicando o natural movimento de quem sabe o que quer. Mário tem idade de menino mas a sapiência dos homens cultos com a bola nos pés, os olhos são adereços, ele não precisa deles para colocar o esférico em diagonais microscópicas, os pés são varinhas mágicas ou batutas de maestro transformando um desafio de futebol numa obra de arte clássica, ao ritmo de quem comanda, ao som de quem é embalado pelos acordes do artista. Como se tratasse a bola como um pincel e pintasse um quadro feito de magia, com cores de génio e formas de predestinado. Mais do que um quadro pintado era um museu escancarado aos olhos de cada um, porque a arte deve ser apreciada pelo olhar comum e Mário trazia-nos os traços refinados e os gestos dotados de borla, bastava entrar no pavilhão e vê-lo jogar como quem escreve um poema com o peito do pé. Abria assim o livro, o kama chuta, tal era a diversidade de posições na arte de tratar a bola, folheava-o com fintas e lia cada jogada transformadas num capítulo de mestria. Parecia cinema, deveriam usar duplos nos treinos para proteger tamanho actor para os jogos a sério. Menino angolano, rijo como as raízes do seu povo, baixo como o artista que trata a bola por tu deve ser. Mário é tímido na argumentação frontal mas são muitos os que o veneram sem lhe falar, pois para quê conhecer o homem para além de tamanho dom? Bom, é um dom sem tamanho dada a velocidade da técnica e a invisibilidade do pormenor, não é possível medir a classe, mas é verdade que se pode pesar: talvez 50 kg de gente. O que deus lhe deu para tornar um mundo melhor estava ali à vista de cada um. É líder dentro do campo pelo que não fala e pelo que corre, aliás, é a bola que corre para junto dele pedindo-lhe protecção, implorando-lhe mimos como quem faz festas ao seu animal de estimação.
Transporta o 10 nas costas e tem marcado o símbolo do glorioso no peito. Sempre equipado a rigor, vermelho e branco são as cores do sonho a alcançar e o símbolo da águia traz nas asas a vontade de lá chegar. O clube do Eusébio estava-lhe esculpido nas garras e gravado no coração, e tão estranho que era pertencer assim a um clube que ganhava tão pouco durante a sua vivência de menino e ainda mais original se tratava porque eram assim grande parte dos meninos. Como se separassem das conquistas e das vitórias e conseguissem o discernimento para ver no glorioso algo muito mais do que um clube. No Benfica não se joga só para ganhar jogos, joga-se para vencer desafios e um desafio está para além de um resultado de um jogo. Mário perdia vários jogos, mas que classe na hora da derrota, cabeça levantada, camiseta suada e corpo esgotado. Ao cumprimento final do árbitro sorria, com um sorriso envergonhado, confessando uma timidez ao adversário, como lhe dizendo desculpa lá ganhaste mas não venceste. Que estranho era o menino perder um jogo e ser o mais aplaudido, fora ou em casa, porque classe não tem morada, desculpem lá a maçada de terem ganho mas a ousadia de eu ter sabido jogar para vencer.
Mário já prestara provas na casa do glorioso durante uns tempos e a cada treino todos se maravilhavam com o garoto. O certo é que não ficou, o certo é que o sonho se foi adiando. Meninos do centro do país, longe de Lisboa e do Porto e com qualidade para a bola tinham o dobro das dificuldades para se revelarem. Mas ele não tinha residência como já disse, encantava o mais perfeccionista dos observadores e o mais rigoroso dos treinadores. O menino pantera era fora de série na Europa, em África ou na Cochinchina, mas o certo é que ficou não ficando... Os clubes do coração fazem, muitas vezes, uma chantagem emocional inconsciente, pois vão adiando uma aposta que pensam que se tornará uma certeza, mais cedo ou mais tarde. Perante tal pedra preciosa e na presença tão imensa de um amor pelo glorioso esqueceram-se que a idade não pára e que a aposta passa a ser uma necessidade. Ironia das ironias, levaram-no ao clube rival da segunda circular e num piscar de olhos marcaram-lhe lugar na tão proclamada academia. Um mês intensivo a mostrar-se a quem o não conhecia e a evidenciar-se perante tantos outros supostos predestinados. A quem o conhece, como eu, ficou um cocktail de emoções. Feliz porque está mais perto de uma vida melhor, orgulhoso por acreditar que um dia vai chegar lá e fazer as expressões faciais corarem de admiração... Mas existe um vazio enorme, uma realidade tão oca, pode lá ser, aquele menino veio ao mundo para ser do clube dos milhões, para alcançar o sonho dele e permitir com que esses milhões sonhem cada vez mais alto. O menino está mais perto do estrelato mas ficou mais longe do nosso sonho. Assim o sonho saiba correr para ele como corre a bola que lhe pede carinhos, porque quem a trata assim deveria ter lugar marcado no clube do Eusébio...

Afonsus, CD

01 abril, 2009

Cinco dedos de conversa

Os cinco encontravam-se às sextas-feiras no Bar do Costume, preliminar de fim-de-semana. Fim de tarde, princípio da noite, pelo meio afogavam as mágoas em copos de tulipas, loirinhas ou pretinhas, geladinhas e espumadas, Sagres como obrigação, uma questão de militância. Todos na casa dos trinta e tal, amigos desde a infância, camaradas até à distância, benfiquistas até às unhas dos pés, unidos pela causa da águia que lhes corre nas veias há bués. O Bar era o local de confissão, o pretexto da fuga familiar semanal e a cervejola o álibi. O Chico Costume era o cúmplice da escapatória, o aliado do quinteto. Incluía normas este encontro: telemóveis desligados, rodadas obrigatórias, automóveis bem estacionados, desabafos das memórias. Histórias e estórias vindas do nada, promessas e perícias da vida airada, sempre pintadas a vermelho, sempre gravadas a encarnado, tal e qual como dantes, desde o tempo de estudantes. João Borgas, amante das noitadas, fiel às madrugadas; Manuel Levezinho, pouco mais de 50kg de gente, competente na arte do levantamento do copo; Carlos Escorregadio, visto em vários locais ao mesmo tempo, elevado sentido prático em qualquer caroca ou desvio; Zé Pasteleiro, seu dom está na farinha, sua virtude na cozinha; e Nelo Barrigana, um sonhador de teatro amador, sem serviço, faz da ironia um poderoso feitiço.
Preenchiam-se no essencial, na necessidade básica de trazer às suas vidas a pimenta do futebol, naturalmente como a sede suplicando para que a garganta abra... Ambos com nome, todos eles com apelido, mas conhecidos e reconhecidos pelos cinco águias do Costume. Orgulhavam-se do seu gang, sem jura de sangue mas numa cumplicidade manchada pela espuma da bebida dos deuses, tal como Eusébio, o seu seguidor. Como se fossem as pernas daquela mesa servida por cinco vidas em comum. Desfrutavam das bocas e demais graças, consolavam-se no consolo sem abraço, marcado apenas pela presença, sem cansaço, dos episódios tão vastos que o futebol das quinas é rico e propício. Desavenças sempre existiam, e então quando o assunto metia apitos, dourados e finais... Às páginas tantas e depois de múltiplas rodadas elevadas ao quadrado, de uns tantos pires de tremoços divididos por cinco e de umas gargalhadas somadas, a conversa ia com o seguinte andamento:
- Pois é, meus caros, nestas ultimas semanas toda a gente se convenceu que o Benfica é beneficiado, ao contrário do que nos dizem os nossos dirigentes e adeptos.
A conversa do Barrigana apanhara os quatro de surpresa, inclusive pedaços de tremoços saíram descompassados da garganta do Borgas, dizendo:
- E eu a pensar que o marisco do Eusébio era inofensivo. O Barrigana transformou-o numa arma poderosa. Possível morte aguda por engasgamento... Ah, ah, ah... Lembras-te de cada uma... Olha, bebe mais uma Sagres que isso passa!... Barrigana corava de raiva:
- Bolas pá, não se pode ter uma conversa séria!... Está para aqui um gajo a dizer o que pensa e vocês sempre com as graçolas! Venham de lá mas é essas opiniões acerca do que se passou no Algarve, não vos interessa, não é verdade...
Carlos Escorregadio tomava o volante, oh barrigana não te passes meu, a malta está admirada, enfim, tu não és propriamente adepto de um clube beneficiado, quer dizer, não tens de caír nas armadilhas do adversário, percebes? Deves andar a ler records e jogos a mais, ou então a ouvir demais o paulo bento. Olha compra jornais isentos, lê a Mística e o Jornal O Benfica, assina o Canal Benfica para ver se isso te passa meo, descontrai-te rapaz, não percas o desnorte!
O riso tornava-se ridículo de tanta vontade, tão insuportável quanto inconveniente. A lei da sonoridade atingia o Chico que revirava os olhos, é que existem mais clientes e há quem esteja aqui para ouvir o silêncio e beber um copo antes de chegar a casa e, até provavelmente, adeptos de outros clubes. Oh Chico, tens razão pá, desculpa lá, mas aqui o Barrigana está danado para a paródia, então não é que o gajo acabou de dizer que o Benfica tem sido um clube beneficiado pelas arbitragens, este gajo não está bom do sistema, embalava o Zé Pasteleiro. Eh pá deixem lá o rapaz, pedia o barman com cinco tulipas em cima da bandeja, duas pretas e três loiras, distribuindo-as, não sei para quê tanta coisa, diz lá de uma vez que vais deixar de ser sócio...
Aquela frase hipnotizara os cinco, pintara-lhes a cara de palidez, mascarava-lhes as feições enrugadas pelo medo, o amigo de sempre não estava bem, delirava ali mesmo, deitava para fora experiências de uma outra vida, chamem um Médium que isto é um episódio fantasmagórico! E logo eu que já vi porcos a andar de bicicleta! Este foi o desabafo do narrador...
Levezinho não cabia em si de espanto, não tinha porte para tão surpreendente pranto, iria certamente levitar, pois o peso fugia para o mundo do irreal; Borgas continuava estático, como se a sua paralisia falasse mais alto, crendo na fantasia. Estalavam os dedos os outros, passavam-lhe água pela cara pregando-lhe sustos atrás de palmadas e beliscões mascarados de bofetadas. Começava a dar sinais de existência, apresentava indícios de sobrevivência.
Barrigana mantinha uma postura de expectativa, uma compleição à deriva, como se ficasse chocado por tamanha deselegância do seu fado. Logo ele, que sempre esteve pronto para qualquer pseudo-problema, para um desabafo, para uma cusquice, era o seu lema. Sempre tivera personalidade de actor, diziam os outros, tu fazes crer a uma bruxa que acreditas nela, inventando o maior bruxedo que há memória: a ironia. És um génio oh Barrigana, ainda te havemos de ver em cima de um palco, disse o Levezinho numa outra sexta de tarde noite. E ele ali, desapontado, quase envergonhado, praticamente esgotado. Não tinham coração aqueles quatro, um homem ali a abrir-se perante uma decisão das mais importantes, de tal maneira que até o Mourinho podia acreditar, verdade verdadeira. E aqueles, os seus melhores amigos a ridicularizarem-no, a frio, em convívio...
A incredulidade do Barrigana ia de encontro à incerteza do narrador. Como acabar bem esta história? Supostamente para ter graça, sendo o relatado um episódio de humor, a tarefa não se apresentava fácil. Mais vale ir pelo lado da perna curta...
Os quatro se levantaram ainda atordoados, não pelas tulipas, mas pelas palavras que iam para além do álcool... Riam-se que se partiam, cambaleavam fingindo embriaguez. Então até amanhã oh barrigana e as melhoras!
Ficou um silêncio que Nelo Barrigana não suportava. Sentava-se na alta cadeira e apoiava-se no balcão como se encarasse o Barbas:
- Já viste isto oh Chico, perdi o poder de persuasão, até eu me estava a acreditar que ia deixar de ser sócio! Tudo bem combinadinho contigo e estes gajos conhecem-me melhor do que ninguém...
- Deixa lá oh Barrigana, bebe mais um copo por minha conta, aqui não precisas de pagar quotas...

Afonsus, CD