Os cinco encontravam-se às sextas-feiras no Bar do Costume, preliminar de fim-de-semana. Fim de tarde, princípio da noite, pelo meio afogavam as mágoas em copos de tulipas, loirinhas ou pretinhas, geladinhas e espumadas, Sagres como obrigação, uma questão de militância. Todos na casa dos trinta e tal, amigos desde a infância, camaradas até à distância, benfiquistas até às unhas dos pés, unidos pela causa da águia que lhes corre nas veias há bués. O Bar era o local de confissão, o pretexto da fuga familiar semanal e a cervejola o álibi. O Chico Costume era o cúmplice da escapatória, o aliado do quinteto. Incluía normas este encontro: telemóveis desligados, rodadas obrigatórias, automóveis bem estacionados, desabafos das memórias. Histórias e estórias vindas do nada, promessas e perícias da vida airada, sempre pintadas a vermelho, sempre gravadas a encarnado, tal e qual como dantes, desde o tempo de estudantes. João Borgas, amante das noitadas, fiel às madrugadas; Manuel Levezinho, pouco mais de 50kg de gente, competente na arte do levantamento do copo; Carlos Escorregadio, visto em vários locais ao mesmo tempo, elevado sentido prático em qualquer caroca ou desvio; Zé Pasteleiro, seu dom está na farinha, sua virtude na cozinha; e Nelo Barrigana, um sonhador de teatro amador, sem serviço, faz da ironia um poderoso feitiço.
Preenchiam-se no essencial, na necessidade básica de trazer às suas vidas a pimenta do futebol, naturalmente como a sede suplicando para que a garganta abra... Ambos com nome, todos eles com apelido, mas conhecidos e reconhecidos pelos cinco águias do Costume. Orgulhavam-se do seu gang, sem jura de sangue mas numa cumplicidade manchada pela espuma da bebida dos deuses, tal como Eusébio, o seu seguidor. Como se fossem as pernas daquela mesa servida por cinco vidas em comum. Desfrutavam das bocas e demais graças, consolavam-se no consolo sem abraço, marcado apenas pela presença, sem cansaço, dos episódios tão vastos que o futebol das quinas é rico e propício. Desavenças sempre existiam, e então quando o assunto metia apitos, dourados e finais... Às páginas tantas e depois de múltiplas rodadas elevadas ao quadrado, de uns tantos pires de tremoços divididos por cinco e de umas gargalhadas somadas, a conversa ia com o seguinte andamento:
- Pois é, meus caros, nestas ultimas semanas toda a gente se convenceu que o Benfica é beneficiado, ao contrário do que nos dizem os nossos dirigentes e adeptos.
A conversa do Barrigana apanhara os quatro de surpresa, inclusive pedaços de tremoços saíram descompassados da garganta do Borgas, dizendo:
- E eu a pensar que o marisco do Eusébio era inofensivo. O Barrigana transformou-o numa arma poderosa. Possível morte aguda por engasgamento... Ah, ah, ah... Lembras-te de cada uma... Olha, bebe mais uma Sagres que isso passa!... Barrigana corava de raiva:
- Bolas pá, não se pode ter uma conversa séria!... Está para aqui um gajo a dizer o que pensa e vocês sempre com as graçolas! Venham de lá mas é essas opiniões acerca do que se passou no Algarve, não vos interessa, não é verdade...
Carlos Escorregadio tomava o volante, oh barrigana não te passes meu, a malta está admirada, enfim, tu não és propriamente adepto de um clube beneficiado, quer dizer, não tens de caír nas armadilhas do adversário, percebes? Deves andar a ler records e jogos a mais, ou então a ouvir demais o paulo bento. Olha compra jornais isentos, lê a Mística e o Jornal O Benfica, assina o Canal Benfica para ver se isso te passa meo, descontrai-te rapaz, não percas o desnorte!
O riso tornava-se ridículo de tanta vontade, tão insuportável quanto inconveniente. A lei da sonoridade atingia o Chico que revirava os olhos, é que existem mais clientes e há quem esteja aqui para ouvir o silêncio e beber um copo antes de chegar a casa e, até provavelmente, adeptos de outros clubes. Oh Chico, tens razão pá, desculpa lá, mas aqui o Barrigana está danado para a paródia, então não é que o gajo acabou de dizer que o Benfica tem sido um clube beneficiado pelas arbitragens, este gajo não está bom do sistema, embalava o Zé Pasteleiro. Eh pá deixem lá o rapaz, pedia o barman com cinco tulipas em cima da bandeja, duas pretas e três loiras, distribuindo-as, não sei para quê tanta coisa, diz lá de uma vez que vais deixar de ser sócio...
Aquela frase hipnotizara os cinco, pintara-lhes a cara de palidez, mascarava-lhes as feições enrugadas pelo medo, o amigo de sempre não estava bem, delirava ali mesmo, deitava para fora experiências de uma outra vida, chamem um Médium que isto é um episódio fantasmagórico! E logo eu que já vi porcos a andar de bicicleta! Este foi o desabafo do narrador...
Levezinho não cabia em si de espanto, não tinha porte para tão surpreendente pranto, iria certamente levitar, pois o peso fugia para o mundo do irreal; Borgas continuava estático, como se a sua paralisia falasse mais alto, crendo na fantasia. Estalavam os dedos os outros, passavam-lhe água pela cara pregando-lhe sustos atrás de palmadas e beliscões mascarados de bofetadas. Começava a dar sinais de existência, apresentava indícios de sobrevivência.
Barrigana mantinha uma postura de expectativa, uma compleição à deriva, como se ficasse chocado por tamanha deselegância do seu fado. Logo ele, que sempre esteve pronto para qualquer pseudo-problema, para um desabafo, para uma cusquice, era o seu lema. Sempre tivera personalidade de actor, diziam os outros, tu fazes crer a uma bruxa que acreditas nela, inventando o maior bruxedo que há memória: a ironia. És um génio oh Barrigana, ainda te havemos de ver em cima de um palco, disse o Levezinho numa outra sexta de tarde noite. E ele ali, desapontado, quase envergonhado, praticamente esgotado. Não tinham coração aqueles quatro, um homem ali a abrir-se perante uma decisão das mais importantes, de tal maneira que até o Mourinho podia acreditar, verdade verdadeira. E aqueles, os seus melhores amigos a ridicularizarem-no, a frio, em convívio...
A incredulidade do Barrigana ia de encontro à incerteza do narrador. Como acabar bem esta história? Supostamente para ter graça, sendo o relatado um episódio de humor, a tarefa não se apresentava fácil. Mais vale ir pelo lado da perna curta...
Os quatro se levantaram ainda atordoados, não pelas tulipas, mas pelas palavras que iam para além do álcool... Riam-se que se partiam, cambaleavam fingindo embriaguez. Então até amanhã oh barrigana e as melhoras!
Ficou um silêncio que Nelo Barrigana não suportava. Sentava-se na alta cadeira e apoiava-se no balcão como se encarasse o Barbas:
- Já viste isto oh Chico, perdi o poder de persuasão, até eu me estava a acreditar que ia deixar de ser sócio! Tudo bem combinadinho contigo e estes gajos conhecem-me melhor do que ninguém...
- Deixa lá oh Barrigana, bebe mais um copo por minha conta, aqui não precisas de pagar quotas...
Afonsus, CD
Preenchiam-se no essencial, na necessidade básica de trazer às suas vidas a pimenta do futebol, naturalmente como a sede suplicando para que a garganta abra... Ambos com nome, todos eles com apelido, mas conhecidos e reconhecidos pelos cinco águias do Costume. Orgulhavam-se do seu gang, sem jura de sangue mas numa cumplicidade manchada pela espuma da bebida dos deuses, tal como Eusébio, o seu seguidor. Como se fossem as pernas daquela mesa servida por cinco vidas em comum. Desfrutavam das bocas e demais graças, consolavam-se no consolo sem abraço, marcado apenas pela presença, sem cansaço, dos episódios tão vastos que o futebol das quinas é rico e propício. Desavenças sempre existiam, e então quando o assunto metia apitos, dourados e finais... Às páginas tantas e depois de múltiplas rodadas elevadas ao quadrado, de uns tantos pires de tremoços divididos por cinco e de umas gargalhadas somadas, a conversa ia com o seguinte andamento:
- Pois é, meus caros, nestas ultimas semanas toda a gente se convenceu que o Benfica é beneficiado, ao contrário do que nos dizem os nossos dirigentes e adeptos.
A conversa do Barrigana apanhara os quatro de surpresa, inclusive pedaços de tremoços saíram descompassados da garganta do Borgas, dizendo:
- E eu a pensar que o marisco do Eusébio era inofensivo. O Barrigana transformou-o numa arma poderosa. Possível morte aguda por engasgamento... Ah, ah, ah... Lembras-te de cada uma... Olha, bebe mais uma Sagres que isso passa!... Barrigana corava de raiva:
- Bolas pá, não se pode ter uma conversa séria!... Está para aqui um gajo a dizer o que pensa e vocês sempre com as graçolas! Venham de lá mas é essas opiniões acerca do que se passou no Algarve, não vos interessa, não é verdade...
Carlos Escorregadio tomava o volante, oh barrigana não te passes meu, a malta está admirada, enfim, tu não és propriamente adepto de um clube beneficiado, quer dizer, não tens de caír nas armadilhas do adversário, percebes? Deves andar a ler records e jogos a mais, ou então a ouvir demais o paulo bento. Olha compra jornais isentos, lê a Mística e o Jornal O Benfica, assina o Canal Benfica para ver se isso te passa meo, descontrai-te rapaz, não percas o desnorte!
O riso tornava-se ridículo de tanta vontade, tão insuportável quanto inconveniente. A lei da sonoridade atingia o Chico que revirava os olhos, é que existem mais clientes e há quem esteja aqui para ouvir o silêncio e beber um copo antes de chegar a casa e, até provavelmente, adeptos de outros clubes. Oh Chico, tens razão pá, desculpa lá, mas aqui o Barrigana está danado para a paródia, então não é que o gajo acabou de dizer que o Benfica tem sido um clube beneficiado pelas arbitragens, este gajo não está bom do sistema, embalava o Zé Pasteleiro. Eh pá deixem lá o rapaz, pedia o barman com cinco tulipas em cima da bandeja, duas pretas e três loiras, distribuindo-as, não sei para quê tanta coisa, diz lá de uma vez que vais deixar de ser sócio...
Aquela frase hipnotizara os cinco, pintara-lhes a cara de palidez, mascarava-lhes as feições enrugadas pelo medo, o amigo de sempre não estava bem, delirava ali mesmo, deitava para fora experiências de uma outra vida, chamem um Médium que isto é um episódio fantasmagórico! E logo eu que já vi porcos a andar de bicicleta! Este foi o desabafo do narrador...
Levezinho não cabia em si de espanto, não tinha porte para tão surpreendente pranto, iria certamente levitar, pois o peso fugia para o mundo do irreal; Borgas continuava estático, como se a sua paralisia falasse mais alto, crendo na fantasia. Estalavam os dedos os outros, passavam-lhe água pela cara pregando-lhe sustos atrás de palmadas e beliscões mascarados de bofetadas. Começava a dar sinais de existência, apresentava indícios de sobrevivência.
Barrigana mantinha uma postura de expectativa, uma compleição à deriva, como se ficasse chocado por tamanha deselegância do seu fado. Logo ele, que sempre esteve pronto para qualquer pseudo-problema, para um desabafo, para uma cusquice, era o seu lema. Sempre tivera personalidade de actor, diziam os outros, tu fazes crer a uma bruxa que acreditas nela, inventando o maior bruxedo que há memória: a ironia. És um génio oh Barrigana, ainda te havemos de ver em cima de um palco, disse o Levezinho numa outra sexta de tarde noite. E ele ali, desapontado, quase envergonhado, praticamente esgotado. Não tinham coração aqueles quatro, um homem ali a abrir-se perante uma decisão das mais importantes, de tal maneira que até o Mourinho podia acreditar, verdade verdadeira. E aqueles, os seus melhores amigos a ridicularizarem-no, a frio, em convívio...
A incredulidade do Barrigana ia de encontro à incerteza do narrador. Como acabar bem esta história? Supostamente para ter graça, sendo o relatado um episódio de humor, a tarefa não se apresentava fácil. Mais vale ir pelo lado da perna curta...
Os quatro se levantaram ainda atordoados, não pelas tulipas, mas pelas palavras que iam para além do álcool... Riam-se que se partiam, cambaleavam fingindo embriaguez. Então até amanhã oh barrigana e as melhoras!
Ficou um silêncio que Nelo Barrigana não suportava. Sentava-se na alta cadeira e apoiava-se no balcão como se encarasse o Barbas:
- Já viste isto oh Chico, perdi o poder de persuasão, até eu me estava a acreditar que ia deixar de ser sócio! Tudo bem combinadinho contigo e estes gajos conhecem-me melhor do que ninguém...
- Deixa lá oh Barrigana, bebe mais um copo por minha conta, aqui não precisas de pagar quotas...
Afonsus, CD
Caro Afonsus,
ResponderEliminarParabéns pelo seu novo blog.
Desejo-lhe todas as felicidades.
Um abraço com amizade,
Bruno Carvalho
dasse
ResponderEliminarcomeças mal... o 1º comentário é logo desse borrego do BC.
Apaga isso...
Felicidades para o blog. Certamente será uma casa a pulsar de benfiquismo verdadeiro e genuíno.
ResponderEliminarParabéns pelo texto, vou ficar atento ao blog.
ResponderEliminarCuidado c/as más companhias!
Saudações desportivas
SLB 4EVER
obrigado pela participação mas agradeço que não se utilizem insultos...
ResponderEliminarAntes de mais, parabéns pelo blog! Certamente será mais uma catedral onde se respira o espírito Benfiquista.
ResponderEliminarPara o primeiro texto tenho uma palavra: Genial!! Já estou a seguir e pelo que li, serei visita =)
Saudações Gloriosas
obrigado luaslbenfica. é importante engrandecermos o nosso clube fora das 4 linhas para que mais depressa voltemos à gloria. abraço e volte sempre. Afonsus, CD
ResponderEliminarTinha que ser, este benfiquista ferrenho! Muito bem, defende o teu clube, vibra com as suas vitórias! A vida são dois dias!
ResponderEliminarO importante é que escrevas, que desenvolvas sempre esse gosto e cultives o jogo das palavras.
Beijos grandes desta portista, nada doente, que só faz questão de ser tua amiga.
Ana Gouveia