14 abril, 2009

Delírio Canino

Sentado no jardim, fingindo que a relva não é verde, que o céu não é azul e que o mundo é perfeito, observava um cão rafeiro jogando às escondidas com um tronco de uma árvore. De perna alçada, focinho descaído e lombo ligeiramente inclinado, o bicho insistia em imitar o raio do repuxo estacionado dentro da fonte dos amores. Quanto mais ouvia o barulho da água caindo sobre a pedra dura mais abria a torneira fisiológica e se deliciava, era de mijar a rir... Uma coisa é certa, algo o fez parar num instante, quatro patas no solo, corpo deambulante, de um lado para o outro, parecia possuído por um espírito irlandês, tipo Parkinson, orelhas erectas sem viagra, focinho húmido que nem tarte de maçã, rabo a abanar em traços de batuta de maestro. Mas que raio deu ao animal? Logo o acaso me respondeu, uma cadela ao longe, passeando a sua dona sem idade, colete vermelho, pêlo aparado, coleira de prata, pestanas aperaltadas. O episódio fez-me lembrar a cena do filme em que sharon stone cruza as pernas perante um michael douglas apardalado, coitado do pobre do animal que, agora, com as suas cinco patas, se imaginou um detective, tentando descobrir forças que o fizessem armar-se em herói, podia ser o dartagnan, e com a sua bravura, morder na dona e soltar a sua apaixonada das amarras da coleira, e espetar a sua espada, ou seria o picador de gelo?... O cão virara lobo, uivava que nem um desalmado, era como se o suplicio lhe masturbasse a impossibilidade de ser dono da sua cadela.
Nesta meditação canina surgiu-me a imagem do estádio da luz, daqueles onze dartagnans vestidos de encarnado a entrar na relva lutando contra as batalhas do mal para alcançar a inevitabilidade de ser o maior clube do mundo. Olhei mais uma vez o cão, orelhas empinadas, focinho no ar, rabo a abanar e logo percebi porque é que o Benfica é uma paixão. O Benfica é uma mulher, uma deusa que nos leva ao clímax, por vezes ao desespero, tal a vontade que temos de fazer parte dela. Somos rafeiros da nossa dona, da nossa alma gloriosa, como se a quiséssemos possuir.
A fonte continuava a cuspir água vinda do repuxo e o rafeiro já mais calmo, mas ainda em transe, ansiava a próxima visita da cadela ao jardim. Lá estará, junto à árvore, a aguardar a inevitabilidade da conquista porque AGUIA dura em pedra mole tanto bate até que fura. Com espada, picador de gelo ou com uma perna a mais… Afonsus, CD

2 comentários:

  1. olá 'mor
    finalmente tive um tempinho para visitar o teu blog.
    Continuas na mesma.... mas apesar de gostarmos de cores opostas, gosto muito de ti e compreendo que estejas muito triste e desanimado.
    Continua! De vez em quando prometo vir dar uma vista de olhos (critica!!).
    boa sorte!
    Bj

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