Chamavam confessionário àquele local de encontro, no fim do ano, entre a divindade e o povo da aldeola. Bonés do Benfica, cachecóis do glorioso pendurados em paredes esburacadas, putos descalços, calções feitos de calças sem pernas, e o Divino lá estava, para o recital do costume. À primeira vista, dali não saía há muito, o padre Divino diga-se, como se sentisse Aladino na lâmpada enferrujada pronta a ser esfregada. Esfregadas precisavam de ser as paredes e o chão, para que se suspeitasse das cores originais... Era uma estrutura que pouco tinha de misteriosa. Uma valente lareira ao fundo, uns fumeiros pendurados sobre a chaminé aguando as bocas esfaimadas, umas garrafinhas de um tinto usado na sacristia da paróquia. Muitos a ele recorriam para que ouvissem a voz do bem, para que sentissem a energia real do caminho a seguir. Uns de tanto tentarem ouvir a voz, sentiam outras vozes que vinham das profundezas das entranhas, do ronco do vazio, portanto, barriga a dar horas, era o que era. Perpetuava o homem sábio não as suas convicções ou leis, para isso teria seguido filosofia ou direito, mas nada disso. Mesmo antes de comer chouriço decidiu-se pela inclusão na universidade capélica dos desfavorecidos, no curso de confessionismo e aprendera que a sua missão era alertar e indicar os outros para o percurso da humildade, a fim de atingirem a meta da sabedoria, dizia ele ao povão.
A Olga peixeira assistia boquiaberta, não estou p’ra grandes caminhadas, quais percursos quais metas, nem pensar. Já me pesam o passar dos anos...
Muitas vezes ele proclamava: focai-vos em vós irmãos, estejais quietos, sentai-vos de costas bem direitas com as pernas dobradas em ângulo recto e com as plantas dos pés bem assentes no chão. Não esqueceis de colocar as palmas das mãos junto das ancas e de fechardes os olhos. O Justino da mercearia até corara de vergonha, pensando que o pároco lhe apanhara aquele livro oriental que tanto ensinava sobre as posturas corporais... Respirai, concentrai-vos em todo o desenrolar do vosso processo respiratório. Processo respiratório? A carpideira Laurinda não compreendia. Processo respiratório usava ela para quando as lágrimas não quisessem sair. Era só inspirar e expirar de forma tão veloz quanto possível ao mesmo tempo que emitia uns sons vindos das profundezas do desespero teatral. Soluços e gritos fingidos, coitado que se foi... Ai, meu deus, ai e mais ai! Razão tinha o marley, o bob do rastafari, no, women no cry!... Aquando da inspiração vede os sentimentos de paz e amor a entranhar-vos nos poros da pele, imaginai uma luz que vos entra pela cabeça e que se espalha por todo o corpo restaurando-o, equilibrando-o. Nesse momento terás que sorrir! Tira uma fotografia a essa imagem, guarda-a na tua mente, envia-a ao teu espírito. Lá falar bem o padre sabia, agora que não dizia coisa com coisa, isso é que era verdade! E o povo incrédulo comentava, então e os sentimentos lá se vêm? E mesmo que se vissem, lá caberiam em tão minúsculos buracos na pele? E desde quando, oh sua santíssima trindade, é que uma luz pode entrar dentro da cabeça a não ser a do estádio do glorioso? Bem, isso até já aconteceu ao Barrigana, mas não foi no confessionário, foi precisamente no bar do Chico e o diagnóstico do médico foi claro: ressaca. E bem molhada! Tirar uma fotografia, guardar na mente, enviar ao espírito... Mas quem diabo revela as fotos?...
Na expiração visualizai todas as sensações, as energias, emoções, sentimentos, que te envenenam a alma como a raiva, o medo, o egoísmo, o ódio, a traição,... Ao expirares estais a expulsá-las do teu ser, estais a transmitir à tua mente e à tua alma que não as queres, que não te servem mais.
Oh, oh, oh! Valha-nos deus e alguém com juízo ao seu serviço! Eu não gosto cá de expulsões, comentava o Zé do apito, que durante mais de dez anos arbitrava os jogos da bola lá na aldeia. Na maior parte das vezes até me assoo aos cartões a pensar que são lenços. E isso era bem verdade, que por vezes até se confundia aquela sinfonia nasal com o próprio apito...
Fazei este exercício todos os dias durante trinta minutos. Ao fim de alguns meses dir-me-ão os resultados, vindos do coração.
Lá estamos nós a bater na mesma tecla, mas quais trinta minutos? O jogo demora noventa minutos e ao apito final já se conhece o resultado, às vezes, até antes, rematava o Zé com o sotaque do norte...O povo lá continuava a mirar o sacerdote. Coitado, um homem ainda tão novo que nem idade para ser papa tem, já com estes devaneios! Estará ele ligado a alguma seita religiosa? Temos que tomar as nossas providências e falar com o superior, não vá o padre Divino nos dominar por forças ocultas. Que estas coisas nunca se sabe, um homem tem sempre forças limitadas e nós não estamos para andar aí a fazer figuras ridículas como marionetas nas mãos de um manipulador de mentes! Temores cheirando a trocadilhos...
De entre a população, apareceu um homem que nunca se avistara lá na zona, fato preto, camisola branca, olhar penetrante. Todos o olhavam de soslaio como se aquela alma perdida fosse um extra terrestre, talvez até nem fosse benfiquista. Sem qualquer palavra ter sido emitida, a plebe cercou-o ficando ele no meio do circulo mais desumano que humano. Não demonstrava emoções o estranho, não aparentava qualquer sinal de medo pela aproximação de tantos figurantes à sua personagem. Não que eles o quisessem agredir fisicamente, mas viravam-se todos de lado, aproximando as orelhas, quais altifalantes a serem usados, esperando do microfone na boca do desconhecido palavras que justificassem o delírio do irmão Divino. O homem levantava a cabeça e olhava para cima como se descobrisse a mensagem escrita nas nuvens e a solução no azul do céu, como se o azul fosse solução para alguma coisa... Os olhos brilhavam de incandescência e o rosto desenhava covinhas de tanta satisfação. Esteve assim durante um imperceptível e indeterminado espaço de tempo...
Percorri terras e mundos, li livros e orações, conheci mestres e espíritos superiores e nunca encontrei a resposta à minha pergunta inicial, à minha dúvida existencial. Muitos espalharam a mensagem e eu não a percebi. Foi pela voz do vosso padre Divino que a compreendi. Falou-vos da bondade e da bagagem que vos traz a uma viagem sem retorno. O Almerindo da taberna estava quase a desmanchar-se, então já cá estava um e ainda apareceu mais outro... Isto qualquer dia não é um confessionário é um sanatório, divino sim senhor, mas não deixa de o ser. Vem este gajo não sei de onde, para aqui não sei porquê, para nos dizer não sei o quê... Deve fazer parte da mesma equipa do Divino e o Zé do apito vai ter mesmo que rever as suas regras e começar a expulsar estes gajos de preto! Continuava o viajante, pois que este homem sábio vos falou da meditação, desse lugar em que falais com o superior, em que estais em contacto com a verdade. Não disse nada que não ouvisse de outras bocas, não escutei palavras únicas, porque as ouvi já por outras vozes, mas só agora compreendi o segredo de ter um coração aberto e uma mente desperta!...
Entrava agora em cena o narrador da história, pois que já estou a ficar farto! Andam aqui as personagens às voltas, inventam situações, imaginam argumentos... E pergunto eu, e os leitores, já devem estar fartos, não? Qual o encadeamento? A resposta veio pela boca do desconhecido: tentei durante dias, meses e anos e nunca encontrei o rumo. Tanto procurei no meu interior o caminho e não encontrei. Pois que agora percebi, o caminho não está num sítio, num lugar. Mas sim faz-se a partir de. É uma arrancada sem linha de partida, com início no coração...
O povo ouvia aquelas frases ao homem aparecido, como fazendo crer que o percebiam no seu íntimo. Pronto, pode desabafar connosco, não há problema, quer vir beber uma sagres e ver o Benfica à tasca?... E já que se sente melhor vá lá dar um abraço ao padre e convidá-lo para a sua paróquia. Deixe estar, não precisa de agradecer!
Entretanto o Almerindo da taberna e o Justino da mercearia lá comentavam, pois é, mais um ano à porta, um natal bem passado e o nosso Benfica a ser roubado. Enfim, a paródia de sempre, um homem de fora que aparece, o pessoal a puxar pelo Divino, e ele com os copos a mascarar-se de padre...
A Olga peixeira assistia boquiaberta, não estou p’ra grandes caminhadas, quais percursos quais metas, nem pensar. Já me pesam o passar dos anos...
Muitas vezes ele proclamava: focai-vos em vós irmãos, estejais quietos, sentai-vos de costas bem direitas com as pernas dobradas em ângulo recto e com as plantas dos pés bem assentes no chão. Não esqueceis de colocar as palmas das mãos junto das ancas e de fechardes os olhos. O Justino da mercearia até corara de vergonha, pensando que o pároco lhe apanhara aquele livro oriental que tanto ensinava sobre as posturas corporais... Respirai, concentrai-vos em todo o desenrolar do vosso processo respiratório. Processo respiratório? A carpideira Laurinda não compreendia. Processo respiratório usava ela para quando as lágrimas não quisessem sair. Era só inspirar e expirar de forma tão veloz quanto possível ao mesmo tempo que emitia uns sons vindos das profundezas do desespero teatral. Soluços e gritos fingidos, coitado que se foi... Ai, meu deus, ai e mais ai! Razão tinha o marley, o bob do rastafari, no, women no cry!... Aquando da inspiração vede os sentimentos de paz e amor a entranhar-vos nos poros da pele, imaginai uma luz que vos entra pela cabeça e que se espalha por todo o corpo restaurando-o, equilibrando-o. Nesse momento terás que sorrir! Tira uma fotografia a essa imagem, guarda-a na tua mente, envia-a ao teu espírito. Lá falar bem o padre sabia, agora que não dizia coisa com coisa, isso é que era verdade! E o povo incrédulo comentava, então e os sentimentos lá se vêm? E mesmo que se vissem, lá caberiam em tão minúsculos buracos na pele? E desde quando, oh sua santíssima trindade, é que uma luz pode entrar dentro da cabeça a não ser a do estádio do glorioso? Bem, isso até já aconteceu ao Barrigana, mas não foi no confessionário, foi precisamente no bar do Chico e o diagnóstico do médico foi claro: ressaca. E bem molhada! Tirar uma fotografia, guardar na mente, enviar ao espírito... Mas quem diabo revela as fotos?...
Na expiração visualizai todas as sensações, as energias, emoções, sentimentos, que te envenenam a alma como a raiva, o medo, o egoísmo, o ódio, a traição,... Ao expirares estais a expulsá-las do teu ser, estais a transmitir à tua mente e à tua alma que não as queres, que não te servem mais.
Oh, oh, oh! Valha-nos deus e alguém com juízo ao seu serviço! Eu não gosto cá de expulsões, comentava o Zé do apito, que durante mais de dez anos arbitrava os jogos da bola lá na aldeia. Na maior parte das vezes até me assoo aos cartões a pensar que são lenços. E isso era bem verdade, que por vezes até se confundia aquela sinfonia nasal com o próprio apito...
Fazei este exercício todos os dias durante trinta minutos. Ao fim de alguns meses dir-me-ão os resultados, vindos do coração.
Lá estamos nós a bater na mesma tecla, mas quais trinta minutos? O jogo demora noventa minutos e ao apito final já se conhece o resultado, às vezes, até antes, rematava o Zé com o sotaque do norte...O povo lá continuava a mirar o sacerdote. Coitado, um homem ainda tão novo que nem idade para ser papa tem, já com estes devaneios! Estará ele ligado a alguma seita religiosa? Temos que tomar as nossas providências e falar com o superior, não vá o padre Divino nos dominar por forças ocultas. Que estas coisas nunca se sabe, um homem tem sempre forças limitadas e nós não estamos para andar aí a fazer figuras ridículas como marionetas nas mãos de um manipulador de mentes! Temores cheirando a trocadilhos...
De entre a população, apareceu um homem que nunca se avistara lá na zona, fato preto, camisola branca, olhar penetrante. Todos o olhavam de soslaio como se aquela alma perdida fosse um extra terrestre, talvez até nem fosse benfiquista. Sem qualquer palavra ter sido emitida, a plebe cercou-o ficando ele no meio do circulo mais desumano que humano. Não demonstrava emoções o estranho, não aparentava qualquer sinal de medo pela aproximação de tantos figurantes à sua personagem. Não que eles o quisessem agredir fisicamente, mas viravam-se todos de lado, aproximando as orelhas, quais altifalantes a serem usados, esperando do microfone na boca do desconhecido palavras que justificassem o delírio do irmão Divino. O homem levantava a cabeça e olhava para cima como se descobrisse a mensagem escrita nas nuvens e a solução no azul do céu, como se o azul fosse solução para alguma coisa... Os olhos brilhavam de incandescência e o rosto desenhava covinhas de tanta satisfação. Esteve assim durante um imperceptível e indeterminado espaço de tempo...
Percorri terras e mundos, li livros e orações, conheci mestres e espíritos superiores e nunca encontrei a resposta à minha pergunta inicial, à minha dúvida existencial. Muitos espalharam a mensagem e eu não a percebi. Foi pela voz do vosso padre Divino que a compreendi. Falou-vos da bondade e da bagagem que vos traz a uma viagem sem retorno. O Almerindo da taberna estava quase a desmanchar-se, então já cá estava um e ainda apareceu mais outro... Isto qualquer dia não é um confessionário é um sanatório, divino sim senhor, mas não deixa de o ser. Vem este gajo não sei de onde, para aqui não sei porquê, para nos dizer não sei o quê... Deve fazer parte da mesma equipa do Divino e o Zé do apito vai ter mesmo que rever as suas regras e começar a expulsar estes gajos de preto! Continuava o viajante, pois que este homem sábio vos falou da meditação, desse lugar em que falais com o superior, em que estais em contacto com a verdade. Não disse nada que não ouvisse de outras bocas, não escutei palavras únicas, porque as ouvi já por outras vozes, mas só agora compreendi o segredo de ter um coração aberto e uma mente desperta!...
Entrava agora em cena o narrador da história, pois que já estou a ficar farto! Andam aqui as personagens às voltas, inventam situações, imaginam argumentos... E pergunto eu, e os leitores, já devem estar fartos, não? Qual o encadeamento? A resposta veio pela boca do desconhecido: tentei durante dias, meses e anos e nunca encontrei o rumo. Tanto procurei no meu interior o caminho e não encontrei. Pois que agora percebi, o caminho não está num sítio, num lugar. Mas sim faz-se a partir de. É uma arrancada sem linha de partida, com início no coração...
O povo ouvia aquelas frases ao homem aparecido, como fazendo crer que o percebiam no seu íntimo. Pronto, pode desabafar connosco, não há problema, quer vir beber uma sagres e ver o Benfica à tasca?... E já que se sente melhor vá lá dar um abraço ao padre e convidá-lo para a sua paróquia. Deixe estar, não precisa de agradecer!
Entretanto o Almerindo da taberna e o Justino da mercearia lá comentavam, pois é, mais um ano à porta, um natal bem passado e o nosso Benfica a ser roubado. Enfim, a paródia de sempre, um homem de fora que aparece, o pessoal a puxar pelo Divino, e ele com os copos a mascarar-se de padre...
Porque foi escolhido Petit como mandatário ?
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